domingo, outubro 23, 2005

Podemos dizer que uma guria está acabando com meus sonhos...
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"Flores e Mariana"

Outro gole! A anestesia da água o completa. Por toda a vida esteve à mercê de outros goles, outras verdades. Atrás de sua face opaca e jovial, carrega o amargo das lembranças de um passado doentio.Enfim, o esboço da euforia: "Chuvas, sons, luzes, sombras, bocas, seios, copos e tragos". A loucura impulsiona a vida!

Já é começo de dia em Torres. O som das ondas e a paisagem o faz afogar-se em lágrimas. Mariana chega e fitando-o profundamente os olhos, derrama gotas da água que escorrem de seu longo e escuro cabelo. A paixão adolescente e a tão tortuosa decepção por não ter tido coragem, agora encontra-se face a face com ele.

Era uma noite qualquer, perdida em meio a tantas outras, em um simples café de Porto Alegre. Eduardo tenta escapar de seus sonhos e alcançar uma possível realidade.
_ Café curto, forte, sem açúcar!
_ Algo mais senhor?
_ Uma pedra de gelo também, por favor.
Mais uma noite de vida na busca por conforto à insônia que o consumia, quase que diariamente, após ter abandonado tudo e todos em sua antiga cidade. Acreditava não ser saudade, nem fraqueza, mas sim a incompatibilidade proporcionada pela tão esperada liberdade, que agora tinha o afastado do mundo, pois não possuía mais direções nem pessoas para que pudesse compartilhar os míseros momentos de seus dias.
A caneta consumia as linhas em branco da folha de papel, e Eduardo sentia o coração na boca, junto ao gosto amargo do café. Logo ao fundo, próximo a porta dos banheiros e a uma antiga caixa de som, que provavelmente há mais um século cuspia Fryderyk Chopin diariamente, um rosto delicado de uma garota de expressão triste e miúda. Olhando bem, ela nem parecia estar alí. Com um ar distante e imparcial, a garota travava os olhos com satisfação sobre as linhas de um pequeno livro, e alternava a leitura com o prazer do sabor de um capuccino.
Ao percebe-la, Eduardo ficou simplesmente paralisado, e fixou a caneta deixando inacabada uma palavra: “felici...”. Continuou alí, fitando-a de longe e tentando descobrir mais sobre aquela garota. Para o rapaz foi surpreendente o amor estabelecido por aquele primeiro contato.

Mariana viveu assim: Sonhando com a vida dos contos de fada que lia quando criança. “O amor impossível, mas verdadeiro”. A longa espera já durava alguns anos, e por muitas vezes já tinha se transformado em uma intensa dor.

Ao todo, nove xícaras de café e quase um maço de cigarros queimados sobre a mesa. A mão involuntariamente só conseguia agora traçar palavras que traduzissem a face da bela menina, que para Eduardo, ainda não tinha nome. Horas passavam, e olhares se cruzaram por muitas vezes...
Na cabeça de Eduardo várias tentativas de uma possível aproximação, porém todas barravam-se em sua falta de confiança, que conseguiu acumular durante toda a vida. Sempre a mesma dúvida: Como devo chegar? O que devo dizer? E se for rejeitado?
A sua frustração interior aumentava a cada segundo e a bravura com que a tinta consumia o papel, por alguns minutos, era impressionante. Não podia falhar. Tinha de ser aquele o momento certo!

Mariana, com toda delicadeza, chama o garçom e continua sua leitura após o retorno do atendente ao caixa.

Eduardo levanta-se e segue em direção a mesa da jovem. Pensa: pode ser minha última oportunidade de poder conhecê-la. Continua a caminhada, com passos firmes e calmos, e percebe que os olhares que anteriormente já eram trocados intensificam-se, cresce então sua expectativa, e também o pior - o medo de perder a coragem. Isso não poderia acontecer.
Continua, passa suavemente pela moça e meio que com um olhar muito tímido diz apenas uma palavra: Olá!
Recebe em troca um belo sorriso.

Afasta-se e segue em direção ao banheiro.
O espelho ri de sua cara.
_ Consegui! Consegui! Ela sorriu para mim!
Pensa alto: Agora é só voltar e dizer tudo o que estou sentindo neste momento, ou melhor, será que devo começar perguntando o seu nome?
Liga a torneira, que jorra uma água fria e feroz. Sente forte sua pulsação. Abaixa a cabeça junto a pia e molha o rosto buscando um alívio ao êxtase estabelecido. Antes de sair do banheiro e voltar ao salão do café, olha-se novamente no espelho e sorri sentindo toda a felicidade de uma vida em apenas um segundo.

O garçom retorna a mesa da garota. Ela fecha o livro após ler a última palavra. Suspira e prepara-se para sair. Caminha suave até a porta sentindo por dentro toda a intensidade da história que acabou de ler, transforma-se em Nástenka e vive “Noites Brancas” nos passos que a faz ganhar a avenida. Assim, a noite engole Mariana.

Abrisse a porta do banheiro e sai de lá o homem mais feliz do mundo. Olha violentamente para todos os lados e tristemente confirma: Acabo de perder o grande amor da minha vida! Passa pela mesa em que a garota deixara e encontra um guardanapo de papel dobrado ao meio, nele sete letras formando uma palavra: “Mariana”. Caminha de volta a sua mesa, toma seu último café acompanhado de mais alguns tragos e observa, quase que estático, a palavra rabiscada sobre o pedaço de papel. Chora!
Ganha as ruas e anda pela fria cidade sentindo o maravilhoso ar produzido pelo asfalto molhado, escuta, lá no fundo, dentro de sua cabeça sons que parecem se perder em meio ao concreto: Mariana!
A fantasia do irrealizável se estabelece. E guarda dentro de si o sabor e a força deste tão utópico nome. Mais alguns passos e pára por um instante, pensa: poderia ao menos ter lhe oferecido uma flor.

"Chuvas, sons, luzes, sombras, bocas, seios, copos e tragos". A loucura impulsiona a vida!
Já é começo de dia em Torres. O som das ondas e a paisagem o faz afogar-se em lágrimas. Mariana chega e fitando-o profundamente os olhos, derrama gotas da água que escorrem de seu longo e escuro cabelo. A paixão adolescente e a tão tortuosa decepção por não ter tido coragem, agora encontra-se face a face com ele.

De volta ao ponto inicial. Ao sentir novamente aqueles olhos, Eduardo deixa vir à mente toda fantasia que aquela noite no café promoveu a sua vida. E escuta, quase não acreditando, as palavras que dançam suavemente da boca de Mariana:
_ Guardo-te em meus sonhos desde o nosso primeiro encontro. Ansiosa em sentir novamente a profundidade de seu olhar. Aquela noite, sem nem entender direito, transformou a minha vida.
Mariana sorri, como só ela sabia fazer.
Eduardo, meio que encantado, oferece-lhe então uma flor. É correspondido e guarda pelo resto de seus dias o fabuloso cheiro promovido por aquele momento.
Outro gole! A água agora desce com o seu verdadeiro sabor: o êxtase da felicidade.
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...ou me mostrando que estes devaneios serão sempre pesadelos!

3 Comments:

At 6:41 PM, Blogger Gabriela said...

oi sieg!
muito bom conto!
vou te linkar pra passar sempre por aqui! :)

beijo

 
At 12:53 AM, Anonymous Anônimo said...

Menininho, que coisa linda. Adorei!

 
At 12:22 PM, Anonymous Anônimo said...

Eu sempre quis ser amiga de um grande escritor....agora eu já posso dizer que tenho um grande escritor como amigo.
Que coisa linda Diego.

 

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